quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Colina Escarlate

                                                           O Passado Contemplado
                                                      
O legado dos monstros da Universal Pictures – Drácula (1931), Frankenstein (1931), O Lobisomem (1941), etc- tende a ser, inequivocamente, lembrado como uma produção de terror convencional - que provoque sustos e tensão. Porém, antes de usarem o mórbido em prol do suspense, tais filmes priorizavam desenvolver um lirismo sobre a deterioração do corpo. Seus protagonistas eram pessoas acuadas pelo destino – no sentido trágico -, presos em uma existência desesperada por redenção. Nessa mise-en-scène, o que deveria ser visto como repulsivo é posto como algo carente de compaixão. E na conjuntura desse horror romântico, um assassinato é filmado como alívio, um momento de libertação. O cessar de angustias é reconfortante aos olhos assim como a madeira podre da arquitetura onipresente possui uma textura convidativa ao espectador. Tudo constrói-se em torno de uma melancolia idealizada e atraente.
Drácula (Tod Browning, 1931)
A nostalgia de Guillermo del Toro por essas obras – bem como pelo cinema mudo- reflete em cada espaço e tempo de A Colina Escarlate (2015), indo dos fade outs/ins em forma esférica até à maneira como cria-se uma estética de caráter efêmero mas pulsante. Seja pelo seu trio principal (Mia Wasikowska, Jessica Chastain e Tom Hiddleston) ou pela plasticidade de sua imagem, fica claro que o interesse do filme está em romantizar – ou até mesmo, sonhar – um momento específico. Um tempo não necessariamente historiográfico – nesse caso o final do século XIX/início do séc. XX- e sim, memorialista . Interessa à del Toro não a precisão anacrônica do período diegético e sim em como tal época e estado de espírito foi retratada por movimentos literários e pelo próprio cinema. Tal anseio não exclui certa afetação estética por parte de sua direção, porém no ato de abraçar tão abertamente suas sensibilidades A Colina Escarlate cativa.
Obsessivo em recriar um cenário sonhado, a obra não cansa em exaltar uma atmosfera artificial e lúgubre que prende seus personagens a situações desagradáveis ou mórbidas. Porém o faz como uma celebração de seu universo: seus contrastes de branco com vermelho, puro e profano, água e sangue existem em razão de uma proposta estética que visa unir o material e o metafísico em uma imagem única e fluída. Portanto, o sobrenatural não é visto – ainda que o filme se torne um pouco incoerente em uma situação ou outra – como algo assustador e sim enquanto elemento que gera curiosidade. Cenas violentas se assemelham às cenas de romance como sendo cuidadosamente montadas para o deslumbramento do espectador, aqui não há espaço para imagens impactantes ou anárquicas. Em A Colina Escarlate reside o convite à contemplação estética de seu diretor.

Entretanto, esse convite não se configura em um apelo para o apreço de uma arte totalmente fechada em si. Assim como Círculo de Fogo (2013) – filme anterior de del Toro -, Escarlate trabalha bastante na construção de um contexto narrativo em constante conflito com o passado. Se em Círculo essa dimensão se dava pelo embate tecnológico, em Colina se da em entender as diversas manifestações que o amor adquire em meio a um intrínseco jogo de interesses entre os personagens - vivos e mortos. Buscando transparecer-se como uma sucessão de imagens em constante devaneio, o filme sofre por certo didatismo – especialmente na sua narração em off -, porém o teor caloroso na qual del Toro insere seus protagonistas impedem que os mesmos se tornem  marionetes desinteressantes.
Em meu primeiro contato com o filme, os percebo como consequência direta do projeto estético. Ou seja, del Toro se lança com mesmo ímpeto nostálgico em recriar personagens afetados em seu playground gótico. Tanta artificialidade poderia resultar em uma obra hostil com quem não está familiarizado com suas referências, porém não me senti de maneira alguma diante de alguma egotrip incomunicativa. Acredito que A Colina Escarlate seja um dos casos onde o excesso imagético alinha-se com a humildade em homenagear um tipo de arte em falta e resulta em um produto de rara beleza.

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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Cobain e Cidades de Papel: Imagens dos Ícones.


Semanas atrás assisti ao documentário Cobain: Montage of Heck (Brett Morgen, 2015). Filme sobre o antigo líder do Nirvana, indo de sua infância até os últimos dias que antecederam seu suicídio. Composto por entrevistas com várias pessoas próximas ao músico, animações para narrar momentos importantes de sua vida e muito material caseiro com imagens de Cobain (liberados exclusivamente para a produção desse filme). Aclamado em Sundance, o documentário está sendo constantemente avaliado como o melhor filme sobre o músico: “O documentário de rock mais intimista”, como aponta a quote da Rolling Stone ou “O documentário definitivo sobre Cobain, não a mais lugar para ir além” como apontou a Consequence of Sound. Dentre elogios tão calorosos, o filme comprova que a figura de Cobain como ídolo cultural não só se mantém intacta como permanece altamente lucrativa. Tendo o apoio da família do músico na produção, Morgen faz um documentário expositivo e sentimental absorvendo o legado de Cobain e focado em descobrir a verdade acerca da história de vida do ex líder do Nirvana. Nesse interesse em descobrir os fatos por detrás do mito, o filme cai na armadilha em martirizar ainda mais a pessoa que outrora foi chamada de “A voz de sua geração” pela cultura midiática.
Montage of Heck é mais outro documentário que mergulha seu objeto de estudo em meio a própria banalização e lugar comum que consiste seu personagem. Consequentemente o próprio filme termina banal. O interesse por seu protagonista existe apenas para enfatizar sua condição popular de ídolo das massas, inexiste Cobain para além do que é esperado de um documentário que esbanja suas imagens caseiras de “Kurt vai ao banheiro” ou “Kurt assopra as velinhas de seu segundo aniversário”. Imagens que só se tornaram públicas através desse filme, por isso ele não resiste em mostra-las várias vezes no intuito de vender tais cenas como a imagem mais próxima do real que se tem do músico. Porém não há muito a ser ver para além do mostrado. No final é Kurt Cobain tomando banho e fazendo a barba, sua intimidade se justifica apenas como desejo por parte do filme em abusar ao máximo de seu objeto e fazer hype em torno disso.

A superficialidade da obra reflete na sua esquizofrenia em martirizar um personagem que o próprio já considera como um mártir. Afinal, Cobain é/foi “A voz de uma geração”, há interesse em sua persona, pois ela ainda pode ser utilizada como parte da sociedade do espetáculo como produto a ser vendido em diversas mídias. Ironicamente, essa fome por ícones acabou agravando a depressão de Cobain. Lamentável que seu protagonista continue a ser refém de sua própria imagem midiática (algo que sempre o incomodou).

Minha relação com Montage of Heck acaba por assimilar minhas opiniões sobre o hype consequente de suas críticas. Ambos trabalham para o consumo de Kurt Cobain como mártir, existe certa agressividade na maneira como ele é apresentado. O artista existe apenas como condição secundaria, seu mito é muito maior e envolvem diversas outras ramificações. Músicas como Smells Like Teen Spirit parecem pequenas perto do impacto do “Kurt Cobain: Voz de uma geração” e é nessa condição de mito que o filme parece se apoiar, bem como as resenhas que apontei. Acaba por ser um produto mais interessante de ser refletido através da apropriação cultural da figura do músico - e o que isso representa em 2015- do que um filme válido.

“É uma cidade de papel, com pessoas de papel” frase que ecoa por todos os cantos de Cidades de Papel (Jake Schreier). Na adaptação do best seller de John Green - autor de A Culpa Das Estrelastal frase reflete não somente a ideologia do filme como também a própria forma como o filme é feito. Diferentemente de Montage, a figura do mártir – voz da geração- não se concentra em um individuo externo ou real, mas nós próprios personagens – em suas emoções e culturas individuais. A força motriz do filme consiste em carregar de subtexto seus diálogos - no intuito de localizar os personagens numa narrativa bastante contemporânea . Ao fazer isso, percebo a mesma vontade de torná-los tão icônicos e significantes como Kurt Cobain é,  para Montage of Heck.

A transformação do ícone pop midiático em seus próprios consumidores gera a mesma banalização presente em Montage. Repetindo formulas e padrões, Cidades de Papel se assemelha ao filme de Cobain em sua exposição e desespero para significar o tempo presente como importante – o primeiro pelo legado do músico e o segundo por retratar sentimentos tipicamente joviais. Há certa urgência (primariamente financeira) na temática da adaptação de Green, mas também existe a carência de uma estética forte e atraente.

Há tantos fatores (slow motion, música pop, narração em off) pra o espectador sentir toda a carga emocional do roteiro que o filme se perde na própria seriedade. Pretensioso, seria o termo apropriado. Cidades de Papel quer dizer demais; sobre seus personagens, sobre o que os rodeia. A pretensão em criar o painel de uma geração e seu (in) conformismo social. Obviamente não há nada de errado em aspirar artisticamente a representar uma cultura específica, porém sinto que esse caso está mais para vender personagens em prol de um público faminto por representação. É o casamento entre hype e o público que aflige o documentário sobre Cobain, e ele se repete aqui. Incomoda-me a generalização de sua história, obra incapaz de ser mais provocador em seu discurso, especialmente numa época em que comédias adolescentes invadem aos montes o cinema hollywoodiano.

Os protagonistas são muito caros a Cidades de Papel, ele os domina e os mantém controlados durante toda a narrativa. Uma precisão cirúrgica se da na maneira como tais personagens agem e pensam em cena, algo meticulosamente pensando para não causar estranhamento ou antipatia, é carente de atenção e desesperado por compaixão. Marketing para atrair aos interessados em ver jovens na tela. Enfatizado novamente que meu problema não se relaciona ao anseio de ser algo popular à contemporaneidade, e sim ao cinema estéril e de estética retrógrada.

Meu desejo de unir ambos os filmes em uma só critica se deu pelas várias ligações que fiz à maneira de como os filmes retratam seus objetos de estudo. Evidentemente foi um texto onde divaguei sobre suas ideologias e anseios, por isso não podia separá-los da mesma inquietação que tenho acerca da retratação de ícones modernos no cinema comercial. A frente do interesse em retratar Kurt Cobain sob um viés particular ou em retratar adolescentes à beira da maturidade existe o interesse financeiro em lucrar em cima de suas individualidades, gerando a banalidade dos mesmos. O hype acaba por proteger ambos os filmes, afinal Montage of Heck é sobre uma figura adorada pelas massas e Cidades de Papel um filme sobre jovens. O cinema sem cineasta se torna apenas um dos mecanismos utilizados para o reforço ou criação de ícones modernos alienados e alienantes.

Trailer de Montage of Heck (Com as referências das críticas que citei).

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt3622592/?ref_=rvi_tt
                     http://www.imdb.com/title/tt4229236/?ref_=rvi_tt
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sexta-feira, 3 de julho de 2015

O Exterminador do Futuro: Gênesis.


Não é segredo que Hollywood prioriza o apelo cultural popular de símbolos como principal fator para desenvolver seus projetos. Antes de qualquer escolha estética (que possa vir a ser interessante ou medíocre), existe a expectativa do retorno financeiro por parte do público que conhece tal símbolo e até pelo público que não é familiarizado. O símbolo do personagem/universo/história se torna apenas uma isca, uma mentira que tais particularidades da obra são de fato singulares, quando na verdade essas estão dissipadas em meio a lugares comuns enfadonhos. Filmes de super heróis ou remakes de antigos sucessos são parte de uma equação onde o resultado é, quase, sempre retorno financeiro garantido. Existe o hype por consumir tais produtos com tamanha ferocidade devido a seu apelo – estendido a outas mídias como jogos, séries de TV, livros, etc - globalizante. Arnold Schwarzenegger como exterminador robô que profere frases de efeito se torna uma imagem publicitária e não cinematográfica. Emília Clarke está lá não como Sarah Connor e sim como Daenerys Targaryen de Game Of Thrones. O Exterminador do Futuro: Gênesis (Alan Taylor) é esquizofrênico em sua estética “Para os fãs da série e para novos expectadores”. E nem me refiro exclusivamente à “Sarah Targaryen”, mas também como o filme lida com sua diegese. Skynet, T-1000, John Connor, dentre vários outros símbolos da série que atingiu seu auge nos dois primeiros filmes de James Cameron, se perdem em meio a um plot apressado em exonerar seus elementos singulares em prol de várias viradas de roteiro. Nada surge como algo esteticamente interessante ou de valor para a narrativa. Diferentemente de Jurassic World, o novo Exterminador é tão estéril que inexiste a consciência de sua própria materialidade e diferentemente de Mad Max: Estrada da Fúria, suas cenas de ação não possuem peso dramático ou são executadas com maestria. Tudo se desfaz nesse filme, estética gritada e entregue de bandeja para quem não consegue viver sem um filme da franquia ou para quem está passando de bobeira na frente do cinema e decide ver mais um filme de ação.

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quinta-feira, 11 de junho de 2015

Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros.

 That´s Entertainment.

Em algum momento de Jurassic World (Colin Trevorrow), Clare (Bryce Dallas Howard) comenta a dificuldade de surpreender e manter a atenção de pessoas que já viram um dinossauro: “Nos anos 90 era incrível, 20 anos depois o interesse diminui”. Os répteis ressuscitados por meio da genética são parte de um grande freak show do entretenimento, mas o simples fato de tê-los andando sob a terra após 65 milhões de ano já não representa muita coisa numa sociedade que busca consumir o máximo e aproveitar o mínimo. Certamente, deve ter sido incrível assistir a Jurassic Park em 1993. Continuou a ser anos depois, quando assisti e fui encantando pela capacidade de Steven Spielberg em recriar os dinossauros. Quase 20 anos após Tubarão (1975) - um dos melhores filmes de monstros - Jurassic Park mostrou que seu diretor continuava hábil em brincar com nosso imaginário. Dinossauros e Tubarões provocavam fascínio e medo não só pela qualidade dos efeitos, mas devido ao fato que Spielberg sabia quando mostrá-los. Ele entedia que seus monstros provocavam expectativas justamente por existirem na tela do cinema. Um excitamento infantil em acreditar que tais criaturas existem. Todo o filme funciona como um retorno para essa ingenuidade, até a própria carreira de Spielberg pode ter interpretação semelhante. Jurassic World é nada mais, nada menos que uma tentativa de voltar ao filme de 93, porém ele admite sua incapacidade em ser algo impactante como o original foi. E se não há espaço para a beleza do primeiro filme, há um apreço pelo humor da auto parodia, que em si é uma espécie de beleza.
Lindo <3
A nostalgia impera no filme: personagens comentam sobre o antigo parque, onde “existiam dinossauros de verdade”. Algumas cenas do primeiro filme são recriadas, a música tema de John Williams é usada constantemente e até um dos atores (BD Wong) retorna ao mesmo papel.  Essa “homenagem” histérica ocorre como forma de expor o abismo que separa um filme do outro, tecendo diversos comentários sobre a indústria de entretenimento na qual ambos filmes foram produzidos. Enquanto o filme de Spielberg possui o fascínio em mostrar/ esconder seus monstros, o filme de Trevorrow entende que após 20 anos de excesso do CGI os mesmos monstros não impressionam ninguém. A indústria de entretenimento é completamente metaforizada em Jurassic World, especialmente na atração principal do filme: O Indominus Rex. "Faça-o maior e mais legal", comenta o dono do parque. Um dinossauro criado a partir de vários outros para manter as atrações com ar de novidade. Penso eu que tal dinossauro é a própria Hollywood fabricando o filme. Colando diversos retalhos referentes ao filme original, bem como lutando para manter o interesse dos espectadores por uma velharia. Jurassic World não ativa suspense, drama, ele é um produto Kitsch conscientemente dependente de seu passado, reduzindo-o a banalidade do cinema blockbuster contemporâneo. É tudo um jogo de representações e arquétipos. Owen (Chris Pratt) não é um herói, é um wannabe, assim como diversos outros personagens. O filme é uma grande gargalhada: Frases de efeito propositalmente hilárias, CGI em excesso, situações extravagantes de “Oscar Cameos” como seus monstros correndo em slow motion. A artificialidade hollywoodiana – bem como sua honestidade em revelar o fundo de seu ar- raramente é exposta dessa maneira.
Exemplificado nos irmãos protagonistas encontra-se a própria dicotomia do filme. Gray (Ty Simpkins) o caçula é encantado por dinossauros e demonstra empolgação a cada novo bicho. A criança inocente que é facilmente impressionada, aquela que Spielberg tenta trazer a tona em seus filmes. Já Zach (Nick Robinson) é o típico adolescente entediado até para ver um T-Rex. Representativo da outra parte do público que tanto os organizadores do parque quanto o filme tenta chamar atenção. A metalinguagem funciona, pois ela se formata em críticas ao caráter (aparentemente) estéril e ordinário do filme.

Porém como brincadeira camp, ele não deixa de apresentar certo sexismo na relação de Owen e Clare, como também se apoia de clichés batidos como a do personagem negro sempre ser amigo do protagonista, nunca ganhando uma linha narrativa interessante. Diferentemente dos outros clichés bem trabalhados no filme, esse racismo e machismo ainda representam o conservadorismo hollywoodiano. De resto, fica a boa surpresa da mistura de referências com estéticas inusitadas para forma um filme ridículo que é consciente das limitações de seu gênero.

                
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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria



Provável que essa crítica seja uma espécie de continuação de muitas ideias iniciadas na de Vingadores: Era de Ultron (http://bit.ly/1Ea7X7n). Achei inevitável que determinados aspectos de minha relação com Mad Max: Estrada da Fúria (George Miller) sejam ressaltados devido à má impressão que tive com o filme de Whedon. A crítica de Vingadores foi sobre a aparente impossibilidade de renovação dos filmes da Marvel e do gênero de ação hollywoodiano. Basicamente, filmes feitos para o público infanto-juvenil que são tão ingênuos (ou reacionários) em seus modelos “bonecos de fantoches salvando o mundo”. Excitação oca por prédios desmoronando. O quarto filme da saga de Miller consegue se distanciar de tais problemas com tamanha naturalidade que não me espanta a calorosa recepção ao redor do globo do “melhor filme de ação hollywoodiano dos últimos 10 anos”. Certamente é o melhor filme do gênero que foi dirigido por um “senhor” de 70 anos. George Miller demonstra vigor e tremenda habilidade em dirigir uma obra totalmente consciente das particularidades do gênero em narrar à queda do mundo. Para tal diegese ele utiliza da mesma fonte que produz tantas extravagâncias vulgares: Um orçamento generoso calculado em 150 milhões de dólares, sendo justificado em cada frame. A extravagância fílmica se dar por muita maquiagem, dezenas de veículos reduzidos a metais distorcidos, explosões vibrantes, balas voando, guitarras flamejantes, pessoas sucumbidas à loucura e muita violência física e psicológica. Tal empreitada atinge seus objetivos nos primeiros instantes de projeção, um filme insano sobre a perda de sanidade da humanidade. E no meio do calor e da areia, Mad Max constrói uma tensão física tão palpável quanto qualquer filme de terror onde tripas explodem para fora. Um senso grotesco de personagens e situações, o regresso aos sentimentos mais ancestrais do homem assombra todo o filme. Aqui, metal, aço e fogo são orgânicos, simbióticos com os personagens. Seja pelo braço prostético de Furiosa (Charlize Theron), pelo aparelho respiratório de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), pela focinheira e cicatrizes cauterizadas de Max (Tom Hardy) ou pelas correntes presas a diversas personagens femininas. Somados a elementos como areia e suor, fazem com que o filme seja constantemente sucessível a sensações agonizantes. Um grito sobre a terra, fogo, metal e carne tão primitivo e enraizado em nosso subconsciente quanto os tambores de guerra que rufam durante quase toda a projeção. Porém se essa “Ordem do caos” das cenas de ação ocupa boa parte do filme, ele certeiramente faz o oposto em seus momentos de calmaria antes da tempestade. Diálogos lacônicos e a dificuldade em seus protagonistas comunicarem entre si revelam um subtexto cheio de nuances e diversidade ao tocar em assuntos como alienação, fanatismo religioso e feminismo. Há tantos detalhes que o filme joga a fim de conectar o caos pirotécnico com seu roteiro, como o fato das escravas sexuais de Immortan Joe serem interpretadas em sua maioria por modelos famosas. O que para mim soa como uma crítica à obsessão doentia e sexual que a cultura da celebridade tem por seus ícones. Mad Max é cheio disso: Pistas, provocações e estranhamentos que aos poucos formam camadas e camadas de interpretações. Na importância que Miller dá a tais momentos, o drama do filme aflora e se conecta ao espectador como uma história atual. Um alerta para a vontade do homem em se destruir e levar junto o que está ao seu redor. O filme chega a apontar saídas para seus conflitos e não poderia ser mais Anti-hollywood seu maravilhoso plano final. A verdade é que Mad Max: Estrada da Fúria não remete em nada a indústria onde foi produzido, ele levanta bandeiras sem cair em sentimentalismo e é artesanalmente atencioso em ser provocador, urgente, agressivo e desagradável. Miller eleva os parâmetros do gênero novamente, para ser visto e revisto na tela grande

















Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1392190/
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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Vingadores: Era de Ultron

 Fuck Yeah!

Lançado em 2004, Team America - Detonando o Mundo (Trey Parker), pegou embalo em duas coisas: A corrida presidencial americana no auge da guerra no Iraque/Afeganistão e no excesso de filmes de ação produzidos em Hollywood. O filme tecia críticas mordazes – e hilariantes, diga-se de passagem- ao policiamento dos Estados Unidos no mundo. Personagens chegavam com seus tanques, helicópteros destruindo metade de Paris em busca de terroristas e ao fim da missão diziam aos parisienses: “Não se preocupem, a ameaça se foi”. A produção sabiamente utilizou marionetes e cenários artesanais para enfatizar a artificialidade da obra. Um filme que ridiculariza sua mise em scène em prol da sátira política. Afinal de contas esse é um filme aonde o mito do herói é destroçado em situações constrangedoras, onde os brinquedos bélicos dominam a cena (causando a destruição desnecessária do Louvre) e onde a canção tema se chama “America! Fuck Yeah!”. Uma gargalhada sobre a real possibilidade do ser humano causar sua extinção. Penso eu que Parker entende a impossibilidade de qualquer seriedade em seu filme, restringindo-a aos questionamentos do espectador diante daquilo que vê.


Vingadores: Era de Ultron (Joss Whedon) tem armas bélicas, CGI aos montes e histeria por seus personagens. É notável o encantamento infantil que Whedon tem por seus heróis, percebe-se o desejo em fazê-los ter o mesmo peso emocional na tela. Uma pena que seu roteiro acaba por cair na armadilha de servir apenas aos maneirismos dos mesmos. Fazendo-o soar como um Team América sóbrio.

Aqui as pessoas estão bastante sérias, sofridas e determinadas em resgatar o mundo da provável extinção arquitetada pelo vilão Ultron (James Spader). “Mal” esse que se forma pelas mãos dos próprios heróis - salvadores do mundo. Em seu início, Vingadores parece ter o desejo de alertar sobre catástrofes feitas pelo homem, até pela maneira como Ultron se apresenta, remetendo a um ser grotesco criado pelo uso das inovações tecnológicas de maneira irresponsável. Consciente de sua natureza, o vilão funciona como um niilista, se opondo as utopias humanas que os personagens e próprio filme piamente acreditam. Minha empolgação se deu na expectativa do choque entre a polarização do caos e da fraternidade. Porém se em seus primeiros trinte minutos, Vingadores abre espaço para reinterpretações da figura do herói ( e suas consequências), ele passa o restante de suas horas se sabotando com a típica mesmice da Marvel Studios.

“Todo filme da Marvel é igual”, crítica que é feita cada vez mais. Se por um lado pode parecer rasa, por outro demonstra cada vez a falência da produtora em pensar e fabular seus heróis além do que é esperado deles. Vingadores: Era de Ultron talvez seja um dos maiores exemplos disso. As afetações dos personagens se tornam mais importante do que a própria narrativa, o que é vendido são produtos da cultura pop. Não há representações dos heróis para além de suas habilidades especiais, são fantoches armados que visitam países “exóticos” na África e Ásia e destroem tudo em nome da “salvação da terra”. O que havia me agradado no filme era a aparente conscientização a lá Team América de sua diegese, porém ele cede ao entretenimento oco e risivelmente sério.

Vingadores também não consegue ser esteticamente interessante. Os últimos filmes do estúdio são estéreis: mesmos efeitos, mesmas piadas fora de tom, mesmos finais, mesmos prédios gigantes caindo. A crítica rasa permanece, uma pena, existia bastante potencial. Talvez quando pararem de produzirem filmes sobre bonecos de ação e apostarem em imagens inusitadas e sobre o que elas representam, teremos filmes que saiam tão interessantes quanto o material de origem.

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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Vício Inerente

The Cars hiss by my window, like the waves down on the beach – Noias em Vício Inerente.

Apesar de ser um grande defensor da obra de Paul Thomas Anderson, fui assistir Vício Inerente com certo receio de ser (apenas) um filme sobre as particularidades histórico-culturais de determinada época (nesse caso, os anos 70). Não que pôr a lupa no passado seja necessariamente ruim, mas P.T.A já havia explorado satisfatoriamente o final dos anos 70/ início dos anos 80 (Boogie Nights). Outro estranhamento se deu pela origem do material, o romance homônimo de Thomas Pynchon, não conduzir pelo caminho sóbrio de Sangue Negro e O Mestre. Vício Inerente parecia um retorno ao virtuosismo jovial das primeiras obras e isso pode significar uma escassez de ideias. Não escrevo essa introdução (maior que outras, confesso) para no final soltar o “mas não galera, não é nada disso, o filme é maravilhoso, etc”. Mas porque sinto a necessidade em achar um caminho para melhor relacionar meu antes e depois com o filme e assim explicar meu ponto de vista com o filme. Talvez ainda esteja  imerso no seu roteiro (propositalmente) confuso, talvez seja porque sua falta de ritmo não pareça tão problemática agora, não sei. Acredito que Vício Inerente soa como Boogie Nights dirigido pela pessoa que já fez Sangue Negro, mas acaba por ir além do simples rotulo de “volta às raízes”, carregando uma urgência até então inédita. A escolha pelo romance de Pynchon é sábia e torna essa volta aos anos 70 ainda mais interessante do que Boogie Nights.
Charles Manson ao ser preso em 1969.

A década hedonista foi à sobriedade, abandonando o idealismo dos anos sessenta. O choque da brutalidade dos assassinatos a mando de Charlie Manson somado ao trágico concerto dos Rolling Stones em Altamont fazia com que o sonho hippie rapidamente se extinguisse e desse lugar ao medo e a paranoia dentro da cultura alternativa. Em suma, antes de 1970, andar com o cabelo comprido até o cóccix fazia a comunidade hippie entender se identificar com tal sujeito, era alguém que compartilhava dos ideais pacíficos e/ou anti-establishment. Após Manson, esse “elo” foi abalado. Um cabeludo agora podia ser outro psicopata propagandista de ideias conservadoras. Vício Inerente se localiza nessa ressaca pós-revolução. Porém seu olhar persistentemente me empurrou para fora de sua caixa. Seja apontando para os anos 60, seja se relacionando à contemporaneidade. Um filme nos anos 70, com estética contemporânea e sobre a atemporalidade do movimento hippie. O momento do Flower Power é visto por Anderson como parte de um período histórico-cultural importante de reestruturação de valores. Entretanto, o momento não existe no filme e sim suas consequências, que estão bem longe da memoria nostálgica e afetuosa sentida por seus personagens do verão do amor. Vício Inerente falar sobre ideologias, movimentos e pessoas a partir da ausência dos mesmos, e brinca o tempo todo com o choque da fantasia da contracultura com o teor opressor da realidade.

Existe certo pessimismo, e a obra lida bastante com a alienação de uma cultura estranha (nova), heterogênea e perdida em si. Porém Anderson não julga moralmente a conduta de seus personagens, prefere se posicionar relativamente distante e cínico com seu filme. Penso eu que tal cinismo se dá pela insegurança na próxima etapa pós-ressaca da revolução. Pois se o presente do filme se comporta de maneira incompreensível, o futuro seria imprevisível e por isso, inseguro. Não inseguro pelas atitudes das culturas alternativas, que em tese iriam mudar segmentos sociais seculares, mas pela facilidade com que elas perdem sua força política. Essa precisão com que Anderson reflete (noia) sobre seus hippies, junkies e businessmen, me parece está a serviço de uma narrativa que se joga sobre nosso tempo presente. O sentimento atemporal que citei é uma maneira de desconstruir o idealismo da época e retratá-lo como igual às mesmas forças políticas que buscam reestruturar a sociedade de hoje. Nesse sentido, Vício Inerente se assemelha bastante a Zabriskie Point, 1970, Antonioni. Ambos são filmes que se utilizam do mesmo momento da história ocidental para questionar sua importância.

Não diria que há certo anacronismo em sua interpretação dos anos 70, mas que ela existe para ser comparada com o século 21. Penso isso, pois detrás das cenas alucinantes e estranhamente conectáveis, existe um filme de ritmo lisérgico e contemplativo, onde pouco acontece. O tempo é sentido por situações verborrágicas que libertam o filme de qualquer pretensão em amarrar uma história. O tédio adormece seus personagens a andarem em círculos várias vezes, incapazes de irem adiante. Não falei do plot em momento algum, porque o filme justamente tenta escapar de uma narrativa uniforme por meio de sub-tramas absurdas e  monotonia subsequente. Confuso em seus personagens e em sua estética de detetive para fazer o espectador pensar além do que é mostrado. Nada de surpresas ou grande conflitos de personagens, apenas estranhamentos. A inquietação que me norteia é de sentir-me retratado (obviamente, eu estando inserido no contexto do século 21) e não conseguir conectar todos os pontos que formaram parte da minha experiência com Vício Inerente. 


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quinta-feira, 26 de março de 2015

Cinderela

Fui assistir Cinderela (Kenneth Branagh) com nenhuma expectativa. No pior dos casos seria mais um filme de digital instagram esbranquiçado, que nem fede , nem cheira. E ele é, exatamente assim: Mais do mesmo, final batido, vilã interpretada por atriz boa que rouba a cena (Cate Blanchett). Incomoda-me ver personagens demonstrando algum interesse amoroso quando nos últimos 30 minutos inexistem qualquer coisa que me leve a crer em interesse físico por parte deles. Mas como a narração do próprio diz: “Basta crer em um pouco de magia” e como naqueles momentos em que algum personagem de Woody Allen se depara com uma epifania, eu tive algo similar com o filme.

Em muitas maneiras, Cinderela é um melodrama clássico, típico de Douglas Sirk: Temática contundente com seu tempo, emoções a flor da pele e certo senso de trágico em sua narrativa. Diferentemente de Caminhos da Floresta (Crítica: http://bit.ly/1Lo1oEk ) as inúmeras afetações de seus personagens – Indo do uso exaustivo de expressões como “How Lovely”/ “Oh, Dear”, até ao constante esforço em tornar seus mocinhos caricaturas bondosas – não existem para esconder um humanismo interior, ou um desejo de libertação, mas sim para estabelecer um tabuleiro e o papel de suas peças. Amor é política nesse universo movido pela ganancia por status social elevado e pela riqueza alheia. Cinderela (Lily James) e seu Príncipe (Richard Madden) fazem contraponto a essa situação, são idealistas que creem no amor como força pura. O filme se desenvolve através do choque dessas peças.

Em minha visão acredito que essa relação idílica entre os protagonistas é bem menos interessante do que a politicagem por detrás da impossibilidade da realização amorosa. Reafirmo, é tudo um jogo. Branagh repudia as atitudes de seus antagonistas, mas procura entender seus motivos, ignorando o maniqueísmo simplista da maioria dos vilões hollywoodianos. As provações, colocadas pelo roteiro, existem justamente para expor o ambiente corrompido em que o jovem casal se encontra. Onde o amor não deve ser concretizado sem atrapalhar o aspecto financeiro e social em jogo. É notável a importância conferida às relações entre seus personagens. Não existe uma peça mal encaixada, todos possuem tempo em cena o bastante para “vestirem” seus arquétipos, fazendo com que a fator dramático aflore. A naturalidade com que a história flui se da devido a isso mais a relação câmera-espaço: Ambientes ressaltam a mesquinhez dos antagonistas ou a opressão sofrida por Cinderela.

“No Love is Free”, diz a madrasta má interpretada com bom humor por Cate Blanchett. Um questionamento pertinente que move a obra, porém cuja resposta vem no tradicional happy ending, com direito a narração “Acredite e tenha coragem em mudar”. Meu criticismo inicial revelou ferramentas estéticas válidas, mas com isso vieram outras problematizações: O jogo de interesses é superado pelo idealismo de seus protagonistas, que é igual ao da própria Hollywood, raso e apelativo para o grande público. O tabuleiro com as peças ganha o jogo fácil, ao invés de tentar uma abordagem diferenciada para uma experiência, digamos, mais satisfatória. Acaba-se por ser raso em seu discurso (Coisa que Douglas Sirk nunca foi), mas Cinderela não deixou de ser um filme interessante devido a suas falhas, acertos e especialmente, pelo estranhamento causado.

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Cinquenta Tons de Cinza

É complicadíssimo se relacionar positivamente com um filme que expõe excessivamente seus personagens, aniquilando quaisquer outras dimensões que adicionem algo além do que é explicitado já nos primeiros minutos. Refletindo para mais desse assunto, Cinquenta Tons de Cinza é um conto de fadas alienado sobre a busca pelo príncipe encantado.

Conto de fadas romântico estilo “menina quer fazer do bad boy, um príncipe”. Sendo que o bad boy é controlador e sádico, causando algumas dúvidas na menina. Nada de reflexões sobre sexualidade ou sobre relacionamentos (amorosos ou não), aqui sexo é um tabu: seja pela excentricidade que se aplica ao bad boy Christian (Jamie Dorman), ou pela formalidade excedente com que visam caracterizar Anastasia (Dakota Johnson). Ou seja, sexo não é algo natural e sim uma anormalidade: tanto pela falta (ela), como pelo excesso (ele). Então, esse é um filme que julga seus personagens por suas condutas (Hollywood, Kids) e sufoca qualquer chance de "a partir" dos personagens dizer algo interessante e não moralista.

Cinquenta Tons de Cinza tem uma preocupação clara em justificar o receio de sua protagonista ao sadomasoquismo porque isso é oposto à ideia de príncipe encantado que Anastasia tem. Sua protagonista jovem, reprimida e virgem é dessa maneira, pois estava “esperando” o rapaz certo. Penso eu, que o filme sente a necessidade em mostrar o quanto a protagonista precisava de um homem dominador para salvá-la de sua existência, supostamente medíocre. Nesse sentido, injetar machismo em doses histéricas a uma narrativa sobre libertação é simplesmente imperdoável.

É Alienado porque reduz sua protagonista a um conceito preconceituoso, e não estou falando das cenas "polêmicas". Existe uma negação feminina em um filme que justamente se propõem a ser sobre a libertação (e suas consequências) de sua protagonista. Anastasia Steele (Dakota Johnson) é uma coletânea de caras e bocas fetichistas do universo feminino. Ela morde os lábios porque se sente nervosa, fala “oh my” porque se excita e é virgem por causa de um moralismo do roteiro em achar que assim seria mais chocante sua submissão a Christian. Uma boneca manipulada para o prazer masculino. Seu ser e sexo são dominados por limitações que a impedem de ser um elemento interessante em seu próprio filme. “Sexo”, porque essa  narrativa supostamente tenta fazer do  ato sexual como sua força motriz, mas ao colocar cenas exageradamente enfáticas de elevação espiritual a obra se torna risível. Música clássica, slow motion, piano pós sexo e close ups, tentam  provar que esse filme é chique e sério em sua busca em retratar um sentimento transcendente. É tão evidentemente forçado que o filme perde a graça. 

Mas por detrás do machismo, existe um filme fotograficamente bonito e “clean”, reconheço que a diretora Sam Taylor possui um senso de espaço que impressiona, existe uma composição pensada. Uma pena que serve a um filme completamente medíocre. Como disse, é  um caso complicadíssimo. 

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2322441/ 
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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Caminhos da Floresta

É engraçado que os tons góticos e macabros do pôster de Caminhos da Floresta (Rob Marshall), com uma Meryl Streep devidamente caracterizada como bruxa, sejam tão pouco explorados em sua narrativa. Senti uma vontade da Disney em vender o filme baseado na memória afetiva da plateia por histórias folclóricas tipicamente europeias. Até mesmo a frase inscrita, “Cuidado com o que deseja”, parece evocar uma história clássica de conto de fadas.  E de certa maneira, o filme de Marshall é, porém ainda encontra espaço para releituras contemporâneas interessantes.
Iniciando em um pequeno vilarejo estão os personagens famosos: o padeiro e sua mulher, a Cinderela, o João, a chapeuzinho vermelho. Todos entediados com suas rotinas até que a Bruxa ordena que o padeiro e sua mulher (James Corden e Emily Blunt) procurem na floresta certos itens, resultando em diversos encontros com os outros personagens citados e mais outras figuras de contos de fada: Rapunzel, o lobo mau e uma dupla de príncipes. A primeira vista, não há estranhamento algum com tais personagens, existindo uma encenação musical para todos corresponderam as suas respectivas imagens literárias.

Caminhos da Floresta acaba revelando seus personagens por detrás de seus arquétipos como pessoas inseguras e preocupadas em terem que corresponder a suas imagens. Seja a mulher do padeiro desejando uma vida na realeza, seja a iniciação sexual pelo qual a chapeuzinho passa, existe uma vontade de transpor os arquétipos, em humanizá-los como figuras emotivas e comuns. Esses protagonistas fazem contraponto a figura histérica, romântica e Camp do Príncipe (Chris Pine), que até metade da narrativa parecia deslocado da brincadeira.

Marshall entende seus personagens não como peças de um tabuleiro que visa criar um sentido maior pela soma das partes, mas como pessoas de carne e osso que lutam para acharem seus lugares naquele universo. O “gótico” que apontei no pôster acaba por funcionar como outra máscara para familiarizar o espectador com a memória que ele já conhece para em seguida provocar o debate e a reflexão acerca de arquétipos e pré-julgamentos nas histórias folclóricas.


No final, Caminhos da Floresta poderia até se beneficiar de um corte menor, mas isso não o torna com menos personalidade. Os números musicais acabaram por ficar em segundo plano, exceto a hilariante e genial interpretação de Chris Pine para “Agony”. Porém minha falta de excitação com o gênero não impediu de o filme ser uma surpresa divertida na tela grande.



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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

How Come I End Up Where I Started?

8 ½ (Federico Fellini) ainda é o melhor filme sobre criação artística que existe, mais do que sua meta linguagem sobre um diretor tentando fazer seu próximo projeto, a obra de Fellini é um misto de sonhos e realidade que une passado e presente como um só. Um filme sem medo em tornar os desejos, medos e frustrações de seu protagonista a força motriz de sua narrativa. O diretor italiano criou uma comédia sobre si mesmo tentado dar voz e espaço para todos os ingredientes que nutriam sua paixão pelo cinema e pela vida. Um pouco mais de meio século após 8 ½ , Alejandro Inãrritu faz uma espécie de irmão para o clássico de Fellini, mas se passando na era digital e dos blockbusters.

2014 foi um ano marcado por uma série de filmes que tocaram no lado mais podre do ser humano e de seu meio. Mapa para as Estrelas (Cronenberg), O Abutre (Dan Gilroy) e Garota Exemplar (David Fincher) são feridas expostas do estado lamentável da mídia, criticando duramente o sensacionalismo jornalístico e a exacerbação da cultura de celebridades. São sátiras da contemporaneidade ocidental, sendo muito bem expandidas como um olhar degradante sobre o ser humano e a falência de seu meio. Essa acidez também é encontrada em Birdman (Alejandro Inãrritu), porém é acompanhada de uma sensação trágica que inexiste na “trilogia” citada e do caráter Felliniano do onírico.
Riggan (Michael Keaton) é amaldiçoado pelo sucesso como o super-herói “Birdman” (papel que não reprisa há 20 anos) e vê em na estreia de sua peça na Broadway a chance de fazer algo marcante em sua carreira. Inãrritu em momento algum desenvolve sua narrativa na iminência de “algo” acontecer. Em vez disso, mergulha seu filme numa neblina de remorsos, conflitos de ego e situações cômicas: atores tramam contra outros, personagens se machucam seriamente, Riggan entra de cueca no palco. Um filme estagnado, porém que não deixa de ser menos cativante de ser assistido.
Momentos surreais justificam o virtuosismo da direção (feito para parecer um único plano-sequência). Há uma vontade histérica com essa câmera, um desejo em transmitir o fluxo de consciência de Riggan. Pássaros gigantes, meteoros e bateristas de jazz, todos tomam de assalto o filme. Inãrritu é desapegado em construir uma seriedade imagética e conduz o filme com senso de humor, ao mesmo tempo em que torna os conflitos de Riggan emotivos de se ver.
A tentativa de redenção é a temática principal, com Riggan sendo constantemente confrontado pelo seu álter ego na forma do “Birdman” em fazer algo que seja tão significativo quanto o personagem de asas. Acredito que por problematizar os dramas de seu protagonista desde seu início (“como viemos parar aqui? Esse lugar é horrível”) e por ser tão direto ao se dirigir ao espectador, Birdman injeta um humor melancólico que o torna mais próximo e apegado a platéia.


Um filme engraçado e trágico, pois em sua natureza cáustica, Birdman refletiu a imagem de seu espectador. Enclausurados em memórias, possibilidades e chances que não foram aproveitadas pelos mais diversos motivos: covardia, egoísmo, preguiça, etc. Mas mesmo apresentando essas questões, o filme não parece está tragado por elas e sim por um caráter irônico consigo que, penso eu, o coloca bem adiante da maioria das produções hollywoodianas. Inãrritu força o espectador a refletir sobre o valor que a arte possui, assim como o conecta a seu protagonista no intuito de medir as consequências que o produto artístico tem para ambos os lados.  Essa conexão, similar a de Guido em 8 ½ , faz com que o filme ganhe um humanismo que o torna tão urgente quanto honesto.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2562232/

               Música do título:
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