quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Colina Escarlate

                                                           O Passado Contemplado
                                                      
O legado dos monstros da Universal Pictures – Drácula (1931), Frankenstein (1931), O Lobisomem (1941), etc- tende a ser, inequivocamente, lembrado como uma produção de terror convencional - que provoque sustos e tensão. Porém, antes de usarem o mórbido em prol do suspense, tais filmes priorizavam desenvolver um lirismo sobre a deterioração do corpo. Seus protagonistas eram pessoas acuadas pelo destino – no sentido trágico -, presos em uma existência desesperada por redenção. Nessa mise-en-scène, o que deveria ser visto como repulsivo é posto como algo carente de compaixão. E na conjuntura desse horror romântico, um assassinato é filmado como alívio, um momento de libertação. O cessar de angustias é reconfortante aos olhos assim como a madeira podre da arquitetura onipresente possui uma textura convidativa ao espectador. Tudo constrói-se em torno de uma melancolia idealizada e atraente.
Drácula (Tod Browning, 1931)
A nostalgia de Guillermo del Toro por essas obras – bem como pelo cinema mudo- reflete em cada espaço e tempo de A Colina Escarlate (2015), indo dos fade outs/ins em forma esférica até à maneira como cria-se uma estética de caráter efêmero mas pulsante. Seja pelo seu trio principal (Mia Wasikowska, Jessica Chastain e Tom Hiddleston) ou pela plasticidade de sua imagem, fica claro que o interesse do filme está em romantizar – ou até mesmo, sonhar – um momento específico. Um tempo não necessariamente historiográfico – nesse caso o final do século XIX/início do séc. XX- e sim, memorialista . Interessa à del Toro não a precisão anacrônica do período diegético e sim em como tal época e estado de espírito foi retratada por movimentos literários e pelo próprio cinema. Tal anseio não exclui certa afetação estética por parte de sua direção, porém no ato de abraçar tão abertamente suas sensibilidades A Colina Escarlate cativa.
Obsessivo em recriar um cenário sonhado, a obra não cansa em exaltar uma atmosfera artificial e lúgubre que prende seus personagens a situações desagradáveis ou mórbidas. Porém o faz como uma celebração de seu universo: seus contrastes de branco com vermelho, puro e profano, água e sangue existem em razão de uma proposta estética que visa unir o material e o metafísico em uma imagem única e fluída. Portanto, o sobrenatural não é visto – ainda que o filme se torne um pouco incoerente em uma situação ou outra – como algo assustador e sim enquanto elemento que gera curiosidade. Cenas violentas se assemelham às cenas de romance como sendo cuidadosamente montadas para o deslumbramento do espectador, aqui não há espaço para imagens impactantes ou anárquicas. Em A Colina Escarlate reside o convite à contemplação estética de seu diretor.

Entretanto, esse convite não se configura em um apelo para o apreço de uma arte totalmente fechada em si. Assim como Círculo de Fogo (2013) – filme anterior de del Toro -, Escarlate trabalha bastante na construção de um contexto narrativo em constante conflito com o passado. Se em Círculo essa dimensão se dava pelo embate tecnológico, em Colina se da em entender as diversas manifestações que o amor adquire em meio a um intrínseco jogo de interesses entre os personagens - vivos e mortos. Buscando transparecer-se como uma sucessão de imagens em constante devaneio, o filme sofre por certo didatismo – especialmente na sua narração em off -, porém o teor caloroso na qual del Toro insere seus protagonistas impedem que os mesmos se tornem  marionetes desinteressantes.
Em meu primeiro contato com o filme, os percebo como consequência direta do projeto estético. Ou seja, del Toro se lança com mesmo ímpeto nostálgico em recriar personagens afetados em seu playground gótico. Tanta artificialidade poderia resultar em uma obra hostil com quem não está familiarizado com suas referências, porém não me senti de maneira alguma diante de alguma egotrip incomunicativa. Acredito que A Colina Escarlate seja um dos casos onde o excesso imagético alinha-se com a humildade em homenagear um tipo de arte em falta e resulta em um produto de rara beleza.

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